sábado, 23 de agosto de 2014

ENTREVISTA Promotor do Ministério Público desmente a tese de “perseguição” a Miguel Jeovani

Prefeito de Araruama continua réu

Merenda escolar: acusados continuam com os bens bloqueados pela Justiça

O Dr. Fabrício Rocha Bastos, promotor de Justiça da Tutela Coletiva do Ministério Público é o responsável pelo processo relativo à ação de improbidade que levou o prefeito Miguel Jeovani ao afastamento do cargo por cinco meses. Acostumado a lidar com as improbidades administrativas, esteve a frente de investigações tão grandes quanto, como em Teresópolis, durante a tragédia das chuvas em 2011. 
Em entrevista exclusiva ao ALERTA!, ele fala sobre o polêmico processo e as reações do prefeito e seu advogado. “É natural algum tipo de reação, mas no plano do processo se discutem as questões jurídicas, não dizendo que a gente está manipulando. Nunca viu um ataque pessoal tão feroz”, argumenta.
Sobre a  operação do MP e o processo, acrescenta: “No início de uma ação de improbidade, dependendo do fato que a ensejou, são naturais dois instrumentos cautelares: indisponibilidade dos bens, para evitar que os réus daquela ação se desfaçam dos seus patrimônios para evitar a condenação pecuniária final, porque eles podem ser condenados a ressarcir o patrimônio. Esse é o intento. Ninguém quer acabar com o negócio de ninguém, nem a empresa de ninguem, tirar o ganha-pão. E se quiser comprar alguma coisa, pode, um imóvel por exemplo, pode. Adquirir novos bens e celebrar contratos, pode.
O outro instrumento é o afastamento cautelar do agentes públicos, que aconteceu com o prefeito e diversos outros servidores da prefeitura. Ninguém vai ficar afastado durante todo o processo, senão você está antecipando a perda da função, e a ideia não é essa. 
É um procedimento que demora, por essência, pela quantidade de réus inclusive. Vai demorar. Nesse intercurso, eles foram até o Supremo, e o ministro Dias Toffoli decidiu reconduzi-lo um dias antes. Ele não foi absolvido nem excluído do processo, foi permitido que ele retornasse à sua função.  Ele continua réu”.


Qual a função do MP?

Principalmente depois da Constituição de 1988, ele foi alçado a uma função praticamente imprescindível para que a ordem jurídica funcione, na educação, saúde, habitação, consumidor, meio ambiente, patrimônio público, luta dos indígenas, dos deficientes, das minorias de uma forma geral. O Ministério Público é uma instituição que é essencial à função do Estado. Ele não é nem do Poder Judiciário, nem do Poder Legislativo, nem do Poder Executivo. É uma instituição totalmente autônoma e independente. É isso que permite que a gente consiga fazer tudo que a gente faz, com liberdade. Eu tenho uma independência que possibilita processar um prefeito quando eu tenho um fato que enseja isso. Em outros tempos, eu não teria essa liberdade se a minha instituição não fosse independente como ela é hoje. Se você olhar o artigo 129 da Constituição, você vai ver que o MP atua em todos os setores. Por exemplo: criança e adolescente - atua tanto na tutela individual quanto na coletiva. Se você tiver algum problema com uma criança que está em risco social, risco de vida, não estuda, não tem acesso à saúde, você vem ao Ministério Público. Idoso, a mesma coisa. Meio ambiente, também. Na área criminal, o MP investiga e promove as ações penais. Na área cível, o MP atua toda vez que há um interesse público subjacente. Por exemplo, no direito de família: se no bojo da separação de um casal há uma discussão sobre quem vai ficar com a guarda da criança, o MP vai atuar para visualizar qual o melhor interesse daquela criança.  Na minha atuação na tutela do patrimônio público, a gente atua de forma preventiva e repressiva. O MP investiga todos os contratos administrativos de todas as prefeituras do Estado e até da União quando há algum fato que enseje essa necessidade. Na tutela do contribuinte, por exemplo, na questão do aumento do IPTU, o MP está investigando esse aumento. A atuação do MP é muito ampla, e é isso que assusta quem detêm o poder. É só você imaginar, que o MP, que não é onisciente, consegue atingir tantas pessoas poderosas, seja na esfera privada ou na pública, imagine se tivesse ciência de mais fatos. E é por isso que eles querem calar o MP.


O que levou o MP à Prefeitura para confiscar computadores e documentos?


Eu estou atuando muito mais na área do processo, do que na investigação. Quem fez a investigação foi o Dr. Sérgio. Chegou uma denúncia ao MP de que havia uma fraude no setor de licitação. O primeiro ponto: não havia publicação. A publicação era uma peça de imaginação. Em um jornal de grande circulação, que é o que a lei determina, tem que ser divulgado todos os dados: quando vai acontecer, quando vão ser abertas as propostas, qual é o objeto... isso não aconteceu. A ausência da publicidade macula de forma insanável qualquer procedimento licitatório, que é o de adquirir a proposta mais vantajosa, e quanto mais propostas forem recebidas, melhor. Como a publicação era uma peça de ficção, isso não aconteceu.
A segunda fraude , comprovado depois da denúncia, é que era uma licitação direcionada a determinados setores, a determinadas pessoas jurídicas. Isso, todos aqueles que foram ouvidos ao longo da investigação deixavam muito claro. Quando você chegava para retirar o edital ou entregar proposta já estava tudo sendo maquiado.


O que foi encontrado durante a operação do MP?


Encontramos vários processos administrativos no setor de licitação sem assinatura, em branco, tudo já pronto para licitações futuras.  Essa ideia que está sendo divulgada na mídia, que o “MP está com todos os processos e a Prefeitura não consegue andar”, tudo tem que ser visto nos seus devidos termos. Nós estamos analisando um calhamaço gigantesco de documentos, mas nada disso faz com que a Prefeitura fique “gessada”. Ela pode vir aqui e tirar cópia do que for preciso, tudo isso pode ser feito. Não fazem nada disso, e vão para a mídia dizer que estamos manipulando as provas contra eles. Tudo o que vai sair daqui será levado ao crivo do Poder Judiciário, que vai avaliar e todos os envolvidos vão ter a oportunidade de contraditar o que está aí.
Diante de todo esse arcabouço documental, o Dr. Sérgio achou por bem fazer uma operação não só na prefeitura, como em sedes de empresas e residências  para obter os documentos que seriam utilizados em licitações futuras, bem proximas a data da operação. A ideia era evitar novas fraudes e comprovar as que estavam em curso. Operação é momento. Se você perde, não consegue mais obter. Encontramos diversos documentos que comprovaram.
Depois que foi proposta a ação, o Dr. Sérgio foi procurado por outras pessoas que queriam denunciar mais fatos. Ele ouviu essas pessoas, lavrou termo de depoimento, e com base nisso resolveu pelo afastamento, para não correr o risco de manipulação de provas. Quando se chegou ao afastamento cautelar, isso causa uma balbúrdia, porque não é todo dia que um prefeito é afastado do cargo. Não digo que é um fato raro, e sim quase impossível de ver isso acontecer.  Mas o arcabouço fático e documental era tão forte que não havia alternativa além de afastá-lo naquele momento para que a gente pudesse colher as provas.


Como  o MP vê as críticas feitas, às vezes de forma velada, outras abertamente, em relação às suposições de que um “deputado de cidade vizinha em conluio com o MP estão juntos para prejudicar o prefeito”?


É a primeira vez que eu ouço isso. Eu não conheço nenhum deputado. Nem sei que deputado seria esse. Adianto até um aviso aos deputados: qualquer um que vier aqui para me usar como joguete vai encontrar as portas fechadas. Se quiser vir para colaborar com a busca da tutela da coletividade,  com a probidade da administração pública, quiser trazer fatos a serem investigados, todos serão bem-vindos. Agora,  para vir usar o MP para perseguição políticas, vai encontrar as portas fechadas, seja quem quer que esteja ocupando esta cadeira.


Queria pedir que V. Excia. comentasse algumas frases citadas pelo prefeito Miguel Jeovani na sessão da Câmara Municipal em que foi reconduzido ao cargo: “Na verdade, a minha situação em Araruama não é jurídica, é política” e a do seu advogado, que disse que “não há no processo uma prova sequer. A gente acha que forças ocultas trabalharam contra o seu retorno”.


Eu não tenho nem o que comentar porque eu não sei o que são “forças ocultas”...   usar de jargão popular para colocar a população contra o Ministério Público ou a instituição do Poder Judiciário, isso é fácil fazer. Basta alguém te dar um palanque e um microfone e você fala o que bem entender. O que as pessoas devem ter um certo cuidado é que toda a sua fala vai ter uma consequência. Tudo o que você fala, vai ter que provar. E se você ofende, vai ter que responder por isso. Se ele não falou o meu nome, eu não preciso comentar a fala dele. A ideia que eu quero deixar muito clara é a seguinte: vou falar como o Fabrício cidadão, esqueçam que eu sou agente público. Mesmo antes de ser promotor, eu sempre ouvia críticas ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à polícia, de uma forma geral. Uma coisa que aprendi ao longo da minha experiência é que eu tenho sempre de saber qual é a fonte, a origem dessa crítica. Se é uma pessoa que praticou algum fato que ensejou aquela punição, eu tenho que ouvir com uma certa reserva. Quando é uma pessoa que nunca sofreu uma incidência de nenhuma sanção, nenhum processo, ela já tem muito mais pureza para poder se manifestar. Além disso, as pessoas no calor da emoção acabam falando coisas ou que são desconexas com a realidade,  ou coisas que elas querem acreditar naquilo. Elas gostam de falar que são perseguidas para que elas acreditem naquilo, para que aquilo seja crível, para que a população a abrace: “olha, eu sou um pobre coitado, estou sendo perseguido e por ser perseguido eu preciso do apoio de vocês”.  E aí, pimba! “Olha, o Poder Judiciário e o Ministério Público são os meus algozes, e se são os meus algozes, são os seus também”, quando na verdade, a ideia tem que ser diferente. Isso, como cidadão, eu sempre imaginei essa ideia.
Sempre me incomodou essa visão deturpada, vocês devem até ter visto o que um certo desembargador disse há pouco tempo, que “o MP só gosta de punir pobre e preto”. O prefeito é preto? É pobre? Então, o MP não serve para isso. Até porque, eu nem de longe sou branco, e me orgulho muito disso, e jamais usaria meu poder para tal.    
Agora como promotor, eu acho, usando os termos do Dr. Carlos, “uma aberração”.  Nenhuma tese jurídica foi levantada pela defesa para arrostar qualquer fundamento jurídico ventilado pelo MP. O que denota que a defesa que está querendo politizar um processo que é eminentemente jurídico. Asseguro aos senhores que o MP não atuou  para perseguir politicamente quem quer que seja. Os fatos existem, os documentos existem, as falas das testemunhas existem. Ninguém está criando aqui um fato para prejudicar politicamente ninguém. Se isso vai prejudicar politicamente, é um ônus que se corre toda vez que se concorre para um cargo público. Qualquer fato desabonador da sua conduta  vai te trazer um ônus político, seja no prisma pessoal ou público. Você tem que se pautar de uma outra maneira, tem que selecionar muito mais suas amizades, os lugares que frequenta e o que você faz. Tem que ter a maturidade de entender que tudo o que você fizer  trará uma repercussão. Tudo. Porque você é o chefe do executivo daquela cidade. É óbvio que se vier algum relato de que ele fez algo de errado, isso vai repercutir. Com investigação ou sem, com ação ou sem. Basta que o fato seja ventilado que isso já traz uma repercussão. Ele tem que ter a maturidade de receber esse fato e saber lidar com isso. Qualquer crítica vai ser absorvida por mim, Promotor de Justiça, da melhor forma, quando é uma crítica para melhorar o Ministério Público. “Olha, Promotor, o sr. investigou, afastou o prefeito, e aquela questão lá do meu bairro? Fica em segundo plano? “. Isso seria uma crítica que eu iria gostar de ouvir. Me fala o que está faltando. A atuação do MP não está sendo satisfatória na sua cidade? Venha ao MP, a gente vai receber você de portas abertas. Narra para mim, seja questão de luz, esgoto, água, violência, me fala. Eu não sou onisciente, não sei de tudo o que acontece. As pessoas precisam trazer esses fatos. A população deve vir, não tem que ter medo. Por mais que todos em volta digam que não vai adiantar, não vai dar em nada, venham. Eu estou aqui para isso, é a minha função. Eu recebo aqui setores da sociedade civil, todo mundo que pede uma audiência comigo vai ser recebido, pode não ser imediatamente, esperar um pouco porque eu tenho uma agenda, mas sempre vai ser ouvido. A gente já recebeu aqui denúncia de certas ruas que estão tendo alguns problemas. Eu exigi do comando da Polícia Militar uma resposta. Eu recebi aqui seis pessoas residentes em uma rua reclamando de uma academia, por causa do som muito alto, gente estacionando em lugar indevido, xingando os senhores que moram lá. Perfeito, eu vou cobrar da Prefeitura que ela fiscalize. Recebi um relatório, colocaram placas de “proibido estacionar”, tomaram providências. Se ninguém tivesse falado para mim, isso não aconteceria.


O prefeito disse em entrevista recente a um jornal local que poderia processar V. Excia. pelos prejuízos comerciais gerados pela indisponibilidade de seus bens. Como V. Excia. vê essa suposição?


Se ele acha que tem o direito de fazer isso, a Lei assegura esse direito a ele. Se ele se sente lesado ou ameaçado por alguma atuação do MP, que adote as medidas que supõe serem cabíveis.  Agora, espero que a parte técnica seja observada, porque um membro do MP só pode ser punido pelo exercício da sua função quando ele atua com fraude ou dolo. Se ele provar que eu trouxe esse prejuízo atuando com fraude ou dolo... O que o Fabrício Rocha Bastos fez não o impediu de realizar qualquer investimento. O que ele fez à frente da Prefeitura que o impediu. Porque aí você tem que fazer o caminho correto. Se a fraude não existisse, não seria aberta a investigação, não seria feita a ação, e os bens não estariam bloqueados.
Que fique bem claro: eu não o conheço pessoalmente,  nunca estive com ele pessoalmente, ele nunca fez nada diretamente para mim, então nao tenho nenhuma razão para ter raiva dele.


Mais uma frase do prefeito Miguel em seu discurso:
“Ladrão eu não sou. Ladrão eu sei onde está e posso mandar lá pro promotor”.


 Então manda! Se ele sabe que existe um ladrão, se ele sabe  que tem alguém que esteja fazendo alguma coisa de errado, o MP está de portas abertas.



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